LIQUIDAÇÃO DA RIQUEZA NACIONAL
(Transcrito de O GLOBO, de 20 de abril de 1.999)
João Luiz Duboc Pinaud (*)
Joaquim Francisco de Carvalho (**)
Leslie Fry, embaixador britânico aquí acreditado nos idos de 1.964, em telegrama ao Foreign Office, descreveu os brasileiros como “um povo submisso e quase anormalmente pacífico”. A descrição parece talhada para o Brasil de hoje, mergulhado pelos atuais governantes num banho de escândalos, sem que o povo saia às ruas, em protesto.
Para satisfazer à cobiça de certos grupos, nossos mandatários cedem a pressões descabidas do FMI e de governos estrangeiros, abrindo mão do controle - que deveria ser exercido pela sociedade brasileira - sobre o patrimônio natural da Nação, consubstanciado nos minérios, no petróleo, nas terras agrícolas e florestais, além dessa incomparável riqueza que é a energia dos rios, graças à qual geramos praticamente toda a eletricidade que consumimos, a baixos custos e sem remeter lucros ao exterior.
No afã de liqüidar “por atacado” esse patrimônio, o Executivo forçou o Congresso a renunciar à prerrogativa constitucional de debater, inclusive em audiências públicas, antes de julgar, cada caso de alienação de empresas estatais de inestimável importância econômica e estratégica para a sociedade brasileira, como a Vale do Rio Doce e as empresas de eletricidade, além de fatias da Petrobrás. A explicação para essas vendas, a preços vís e com financiamento do BNDES e participação de fundos de pensão de estatais, mergulha na obscuridade dos interesses inconfessáveis de ex-adminstradores públicos que se transformaram em banqueiros, promotores de negócios, especuladores estrangeiros e provedores de fundos para campanhas eleitorais. Para alguns dos beneficiados, trabalharam pessoas muito próximas até do Presidente da República, como seu próprio filho.
Entre outras coisas, revogaram a lei do monopólio do petróleo e já entregaram, pelo preço de campos de futebol, ricas bacias em que a Petrobrás investiu dezenas de milhões de dolares. O mais grave é que, para isso, lançaram sobre o Congresso o tal rolo compressor, cujos métodos vieram a lume com a divulgação de gravações telefônicas, reveladoras de pormenores verdadeiramente degradantes das negociações do Projeto SIVAM, da emenda da reeleição, da quebra do monopólio do petróleo, da privatização da Vale do Rio Doce e, finalmente, das companhias telefônicas (grampo do BNDES).
Emendas constitucionais arrancadas ao Congresso por tais métodos, não podem estear atos juridicamente perfeitos. Pacta quae turpem causam continent, non sunt observanda. Não é justo que os interesses do povo sejam suplantados pela cobiça (e corrupção) de alguns, encorajada pela fraqueza de congressistas acuados.
A milenar sabedoria humana, preservada pelos teólogos medievais e aperfeiçoada sobretudo a partir de Rousseau e Kant, exige que os governantes sejam justos.
Mas o que é a justiça ? - Justiniano, em seus Institutos, ensinou que “a justiça é a vontade inabalável e permanente de atribuir a cada um o seu direito”. Foi graças a este princípio seminal que a civilização humana evoluiu e aperfeiçoou-se muito, em algumas regiões do planeta. Sem respeito à justiça não há evolução, impedida que fica pela cupidez, pela desordem, pela violência, enfim pelo caos que então se instala.
O clima de insegurança, hoje reinante em nossas cidades, parece indicar que o caráter pacífico identificado nos brasileiros pelo embaixador Leslie Fry, seria apenas a calmaria prenunciativa de uma explosão de violência, cujo estopim poderá ser aceso quando o povo der-se conta de que o governo despreza a justiça. Não são justos governantes que transferem para grupos privilegiados, o direito que tem o povo de explorar riquezas naturais que lhe pertencem, esquecendo que a grande maioria vive em extrema pobreza, e o que o aproveitamento judicioso e equilibrado dessas riquezas representaria a única possibilidade de se resgatar a miséria social.
Não podemos aceitar como perfeitos os atos de governantes que traem o povo e violentam o Congresso, para concentrar o patrimônio público em mãos de grupos estrangeiros e de uns poucos amigos locais, enquanto a dívida interna salta de R$ 60 bilhões para R$ 330 bilhões e a externa de US$ 120 bilhões para US$ 250 bilhões, a saúde pública deteriora-se, o ensino básico é insuficiente, os índices de desemprego são desumanos e o valor aquisitivo dos salários amesquinha-se.
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(*) Professor titular de direito constitucional da UFF e presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. (**) Consultor, foi coordenador do setor industrial do ministério do planejamento, diretor da NUCLEN e engenheiro da CESP.
Um comentário:
Estamos em um mar de lama e corrupcão nesse País!
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