Um remédio perigoso
Nações desenvolvidas já aprenderam que a liberdade e a
democracia conduzem à Justiça, ao Estado de Direito. Todas as nações modernas e
cultas vieram de tempos de discriminação, intolerância, segmentação da
sociedade e sistemas políticos onde a arbitrariedade a partir de poucos era a
forma de governo. Com muitas revoluções e guerras viveram períodos de
amadurecimento e sofrimentos indizíveis.
No Brasil o centralismo e o poder de um imperador, aristocratas
e latifundiários dos tempos do Império geraram uma República ancorada no
corporativismo militar alternativamente ao de grandes proprietários,
empresários e políticos, sempre com o discurso da força do governo eleito, a
princípio, a bico de pena e cédulas e urnas vigiadas, agora modernas, digitais
e carentes de auditagens. Os períodos ditatoriais tiveram amparos externos e
adaptações tropicais. Talvez o mais organizado tenha sido o governo militar que
iniciou em 1964, ele também gradativamente adquirindo colorações corporativas e
de culto a chefes escolhidos no Almanaque do Exército.
Quem de fato reagiu aos excessos de comandantes alucinados
foi o Presidente Ernesto Geisel, abrindo o caminho para a redemocratização. Foram
momentos que num dia futuro bons historiadores registrarão em detalhes.
O que sentimos naquela época em que o totalitarismo era a
receita para alguns continentes?
Os ditadores podem ser pessoas inteligentes, cultas, honestas, nacionalistas, dominadas pelas melhores intenções de bem governar, mas o Brasil
não é um pequeníssimo país como existem muitos por aí. Nossa pátria gigantesca
é multicolorida, com inúmeras culturas imersas em suas cidades e lugarejos. Para
administrar nosso país precisamos de centenas de milhares de pessoas que
dominam seus cargos e deles tiram poderes para se valorizarem perante a
sociedade.
O resultado dessa dependência de inúmeros subalternos é o
padrão de governo que geram, melhor ou pior dependendo do caráter de cada um e desse conjunto nem sempre harmonioso e bem preparado. Os
grandes empreiteiros e empresários da época logo aprenderam a ganhar contratos e
privilégios...
O estilo autocrático radicalizado pode gerar desvios
lamentáveis e a história da Humanidade está cheia de exemplos de incrível
bestialidade, inclusive em nações que pareciam cultas, evoluídas, bem formadas.
Com certeza estamos num momento extremamente delicado e
frágil de nossa história. Saímos de um processo eleitoral em que tudo o que foi
prometido simplesmente está sendo esquecido ao sabor de decisões de gabinete. Estamos
sendo humilhados pelos eleitos, que acima de tudo desmoralizam tremendamente a
democracia. Pior ainda, graças aos inquéritos da Operação Lava Jato descobrimos
que poucos eram razoavelmente santos, e os crimes que grandes empresas e
políticos famosos cometeram quebraram o Brasil, deixando-nos em situação
assustadoramente frágil, quando, valendo os discursos que eram feitos,
deveríamos poder superar crises naturais e internacionais sem grandes
sacrifícios.
Com certeza será muito difícil acreditar nas decisões de
políticos entronizados em meio a esquemas malditos. O ideal seria que reformas
imediatas fossem aprovadas e novas eleições marcadas para breve, antes que os
brasileiros se engalfinhem em lutas violentas e de consequências imprevisíveis.
O noticiário nacional, contudo, aponta para improvisações a favor de partidos e
políticos desmoralizados, pode?
O pesadelo está formado.
Durante os próximos anos o povo brasileiro pagará uma conta
elevadíssima: tarifas, taxas, impostos, juros, desemprego, perda de benefícios
e a vergonha da percepção de que falhamos tecnicamente, moralmente,
politicamente.
Felizmente nem tudo foi ruim nesses últimos anos. O que se
fez de correto, contudo, pode se desmanchar e desesperanças com nossa capacidade
de governo facilitarem as decisões de desmanche do Estado. O discurso agora é a
modernidade velha neoliberal. Abrimos espaço para o entreguismo (já a partir da
Constituição de 1988) em detalhes sutis e explícitos, consolidando a perda de
empresas e tecnologia nacional, algo tão desejado pelos governos militares para
que nosso país tivesse a autonomia que desperdiçou no passado.
Não queremos acreditar em limitações tropicais, precisamos
de fé na liberdade e responsabilidade que a democracia pode gerar. O momento exige ações positivas e sinceridade, lealdade para com o nosso povo.
O carnaval ainda não terminou e já vimos demais em 2015. A quarta-feira
de cinzas será de ressacas muito diferentes quando muitos sentirão suas contas
pessoais prejudicadas por decisões a favor de ações corretivas de desmandos
recentes.
Com certeza vamos repetir momentos de dúvidas e decisões
estratégicas e emocionais perigosos. Tudo isso em meio ao crime organizado
convencional, cada vez mais forte e ousado...
Cascaes
16.2.2015
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