De: Adriano Benayon [mailto:abenayon.df@gmail.com]
Enviada em: segunda-feira, 16 de dezembro de 2013 14:46
Para: zehgustavo@yahoo.com.br
Assunto: artigo: As Fontes da Dívida
Enviada em: segunda-feira, 16 de dezembro de 2013 14:46
Para: zehgustavo@yahoo.com.br
Assunto: artigo: As Fontes da Dívida
Seguindo agora
completo (antes fora enviada só a primeira parte).
AS FONTES DA DÍVIDA
PÚBLICA
Adriano Benayon * -
09.12.2013
Este artigo desenvolve
pontos que abordei no Seminário Internacional “O Sistema da Dívida na Conjuntura
Nacional Internacional, realizado em Brasília, de 11 a 13.11.2013.
2. Esse evento focou
questões fundamentais, como as absurdas taxas de juros que a União impõe a
Estados e Municípios como credora deles, exações semelhantes às que ela
paga ao sistema financeiro, liderado pela oligarquia financeira angloamericana.
3. Também revelou
provas existentes no Brasil e em auditorias levadas a efeito no Equador, na
Argentina e na Islândia, reveladoras de que o grosso das dívidas originais não
está documentado, e de que elas se multiplicaram através da capitalização
de juros, taxas e comissões injustificados.
4. Não obstante, até
hoje, o Congresso Nacional não cumpriu a determinação do art. 26 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988: efetuar a
auditoria da dívida pública.
5. Apresentei no
telão documentos do Arquivo da Constituinte que comprovam ter sido introduzido,
por meio de fraude, no art. 166, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, o
dispositivo que privilegia as despesas de juros e amortizações da dívida no
Orçamento da União.
6. Dito dispositivo
não foi jamais discutido nos trabalhos da Constituinte, mas entrou, de
contrabando, depois de o texto constitucional ter sido aprovado, sem ele, pelo
Plenário, no 1º Turno. Isso permitiu que as despesas com o serviço da
dívida somassem – de 1988 ao presente - a colossal quantia de R$ 10 trilhões em
preços atualizados.
7. Essa causa da ruína
da União, Estados e municípios resulta, por sua vez, de duas outras
fontes de sugação dos recursos do País: 1) a entrega do mercado brasileiro às
transnacionais; 2) a dependência financeira e tecnológica nos
investimentos de infra-estrutura e em indústrias básicas.
8. Essas duas fontes
primordiais – começaram a implantar-se com o golpe de Estado de agosto de 1954,
regido pelos serviços secretos angloamericanos. Elas causam os déficits nas
transações correntes com o exterior e acarretam a desindustrialização e o
empobrecimento do País, juntamente com o serviço da dívida pública delas derivado.
9. A entrega
do mercado às transnacionais causou danos irreversíveis ao País, e
o teria feito mesmo que tivesse havido contrapartidas. Mas foi ainda pior: o
governo, além do mercado, outorgou-lhes subsídios e vantagens de tal monta, que
os prejuízos foram ainda mais profundos e avassaladores.
10. As benesses ao
capital estrangeiro deram-se a partir da Instrução 113 da SUMOC (janeiro de
1955), que autorizou a CACEX (Carteira de Comércio Exterior) a emitir licenças
de importação para equipamentos usados, sem cobertura cambial,
permitindo, também, que o valor a eles atribuído pelas transnacionais
fosse registrado como investimento estrangeiro em moeda.
11. Isso implicou
suprimir a promissora indústria brasileira, que progredira desde o início do século
XX, porquanto deu às empresas estrangeiras vantagem competitiva insuperável,
proporcionando-lhes produzir no Brasil com custo zero de capital e de
tecnologia.
12. De fato, as
transnacionais puderam trazer máquinas e equipamentos usados, amortizados
com as vendas nos países de origem e em outros mercados de grandes dimensões,
enquanto as indústrias nacionais teriam de pagar pela importação de bens de
capital e por tecnologia, ou investir por longos anos para produzir seus
próprios bens de capital.
13. Além de doar o mercado brasileiro às transnacionais,
através da licença para trazer seus bens de capital usados, de valor real zero,
e contabilizá-lo por centenas de milhões dólares - base para transferir
capital e lucros para o exterior -, o governo militar-udenista (1954-55)
agraciou as transnacionais com a diferença entre a taxa de câmbio livre e a
taxa preferencial.
14. A livre era mais que o dobro da preferencial. 1) as
transnacionais declaravam o valor que quisessem, em moeda estrangeira, dos bens
de capital importados; 2) convertiam-no à taxa livre; 3) ao transferir capital,
“despesas” e lucros para o exterior, a conversão era à taxa preferencial.
15. Esse triplo favorecimento e mais os ganhos comerciais
das transnacionais com suas importações, mediante sobrepreços – também
altíssimos após o início da produção local - permitiu às transnacionais
transferir fabulosos ganhos para suas matrizes no exterior.
16. Absurdamente, o Brasil entregou o que não deveria entregar
por preço algum, e, além disso, em vez de cobrar, pagou para entregar.
17. JK foi entreguista tão radical, que não só manteve os
indecentes favorecimentos ao capital estrangeiro, mas reforçou-os a ponto de
ser aberta linha de crédito oficial para financiar as montadoras estrangeiras.
Esse benefício foi negado à empresa brasileira Romi, de Santa Bárbara do Oeste
(SP), que produziu 3.000 unidades da Romisetta, automóvel de um só banco, de
1956 a 1959.
18. Além disso, JK
criou grupos executivos setoriais, como o GEIA, da indústria automobilística,
para facilitar os procedimentos de entrada em funcionamento das montadoras
estrangeiras e baixou a lei 3.244, de 14.08.1957, e o Decreto 42.820, de
16.12.1957, proporcionando mais vantagens cambiais aos “investidores”
estrangeiros.
19. Não admira
que, ao final do quinquênio de JK, o Brasil sofresse sua primeira crise
de contas externas desde o início dos anos 30. Vargas havia, em 1943, reduzido
a dívida externa do País a quase nada.
20. As transferências das transnacionais são o principal fator
dos elevados déficits nas transações correntes com o exterior (US$ 80
bilhões nos últimos doze meses), que colocam o Brasil no limiar de mais uma
crise.
21. Sobre os escandalosos sobrepreços, escreveu o senador
Vasconcelos Torres (1920/1982), p. 94 do livro “Automóveis de Ouro para
um Povo Descalço” (1977):
“No
exercício de 1962 foi registrado, no balanço consolidado das onze
empresas produtoras de veículos automóveis e caminhões, lucro de 65% em
relação ao capital social, constituído por máquinas usadas,
e aumentado posteriormente, com incorporações de reservas e reavaliação dos
ativos.”
22. Na. p. 95 desse
livro, há tabela referente aos balanços de 1963, comparativa de preços de venda
da fábrica à distribuidora com os preços de venda do distribuidor ao público,
para quatro montadoras, entre elas a Volkswagen: “o preço nas
distribuidoras era mais de três vezes o preço na fábrica”, e os donos desta
eram os mesmos daquelas ou tinham participação naquelas.
23. Desde o final dos
anos 60, as transnacionais foram cumuladas por Delfim Neto com colossais
subsídios à exportação, como isenções de IPI e ICM, nas importações de seus
bens de capital e insumos, e créditos fiscais. Daí ao final dos anos 70,
a dívida externa do País teve o crescimento mais rápido de toda sua história.
24. No livro “Globalização versus Desenvolvimento”, elenco
quinze mecanismos através dos quais as transnacionais transferem recursos para
suas matrizes, desde superfaturamento de importações e subfaturamento de
exportações aos pagamentos à matriz por “serviços” superfaturados e fictícios,
afora a remessa oficial de lucros.
25. A entrega do mercado às transnacionais é a principal,
mas não a única fonte das transferências de recursos, dos déficits de conta
corrente com o exterior e, por conseguinte, da dívida externa, a qual deu
origem à hoje enorme dívida interna.
26. Esses déficits e dívidas derivam também da realização,
sob dependência tecnológica dos investimentos públicos na
infra-estrutura e indústrias básicas, como a siderurgia, em pacotes fechados,
caixas pretas, usinas clés-en-mains ou turnkey.
[Esses termos significam importar equipamentos industriais
complexos num único pacote, envolvendo tecnologias as mais diversas, sem que o
usuário tenha acesso ao conhecimento de cada um dos processos que permitiram
produzir suas partes e componentes. O usuário só precisa virar a chave para o
conjunto funcionar, mas, se houver qualquer problema, ele depende do fornecedor
para resolvê-lo e para reparar ou substituir elementos que não funcionem
adequadamente.]
27. Em lugar de proporcionar espaço a pequenas e médias empresas
de capital nacional, com capacidade de evolução tecnológica (engenharia e bens
de capital), os governos pós-1954 privilegiaram grandes projetos, reservando
assim o mercado para carteis transnacionais.
28. Ademais, esses governos subordinaram sua política financeira
aos bancos privados - pois o Tesouro não emite a moeda nem comanda
o crédito através de bancos públicos. Assim, o subdesenvolvimento
tecnológico foi agravado, devido à carência financeira, decorrente da
própria política, que levou a buscar financiamento externo, liderado pelos
bancos internacionais multilaterais (Banco Mundial e BID).
29. Confiada a essas instituições - dominadas pelas
potências imperiais - a direção das concorrências para as obras públicas, foram
favorecidos os carteis transnacionais produtores dos equipamentos e demais bens
de capital. Além disso, participavam do financiamento os bancos oficiais de
exportação daquelas potências, bem como seus bancos comerciais privados.
30. Assim, ao contrário dos países que progrediram, a política
econômica do Brasil não deu chances às empresas nacionais de desenvolverem
tecnologia e de ganhar dimensão.
31. Nos países onde houve desenvolvimento real, as compras
governamentais foram fundamentais para o surgimento de empresas de
capital nacional dotadas de tecnologias competitivas.
32. Isso ocorreu no Brasil graças à Petrobrás, mas está decaindo
com a quebra do monopólio estatal do petróleo. Houve também nas
telecomunicações e no setor elétrico, mas acabou com as privatizações.
Funcionou também em indústrias ligadas à área militar, a qual foi, depois,
enfraquecida por cortes no investimento público e pela desnacionalização.
33. O financiamento dos bancos públicos fortaleceu o capital
nacional, naqueles aqueles países, inclusive os de desenvolvimento recente,
como Coreia do Sul, Taiwan e China. Enquanto isso, no Brasil, o BNDES e
os demais bancos estatais, há muito, deixaram de priorizar as empresas
nacionais e oferecem empréstimos favorecidos a empresas transnacionais.
34.
As instituições brasileiras desmoronaram a partir da crise da dívida de
1982, e esta decorreu: 1) da entrega do mercado às transnacionais, que se
assenhorearam da produção industrial no País, inclusive bens de capital; 2) de
os investimentos públicos terem utilizado equipamento importado e/ou produzido
localmente por empresas estrangeiras, em grau muito maior que o devido à
incapacidade de oferta adequada por empresas de capital nacional.
35. A
dependência tecnológica foi agravada em função da entrega do mercado às
transnacionais. Além disso: a) as empresas nacionais foram asfixiadas pelas
políticas restritivas aos investimentos públicos e ao crédito - tornado
proibitivo sob o governo de 1964 a 1966; b) o governo recorreu, em grau
crescente, aos empréstimos e financiamentos estrangeiros, em face do
crescimento da própria dívida. Esse recurso era, de início, desnecessário, pois
o Estado poderia emitir moeda e crédito.
36.
Apesar de os choques do petróleo terem contribuído para a explosão da dívida
externa nos anos 70 – pois o Brasil era importador líquido - isso não foi
fator decisivo. Não o foi tampouco a brutal elevação dos juros nos EUA em
agosto de 1979, quando, de resto, a situação das contas externas brasileiras já
se mostrava insustentável.
37.
Outros países com ainda maior coeficiente de importação de petróleo - como
Alemanha, Itália, França, Japão, Coreia - não caíram, em 1982, na mesma
situação de Brasil, Argentina e México, caracterizados pelo modelo dependente e
pela ocupação de setores estratégicos de suas economias pelos investimentos
estrangeiros diretos.
38. Desde 1982, o governo pôs-se de joelhos diante dos bancos
comerciais e dos governos das potências hegemônicas, a pretexto da crise da
dívida externa, oficializando a submissão ao FMI e Banco Mundial e aos planos
dos banqueiros (Baker e Brady - 1983-1987).
39. Assim, a desnacionalização e a primitivização tecnológica,
consequências das políticas adotadas desde o final de 1954 tornaram-se
ainda mais intensas. A condição colonial ficou evidente na Constituição de
1988, não só através do dispositivo fraudulentamente inserido no art. 166 (Vide
§ 5 acima) para privilegiar as despesas com o serviço da dívida, mas também de
outras normas, como o art. 164.
40. Esse
determina que a competência da União para emitir moeda seja exercida
exclusivamente pelo Banco Central (BACEN), e o proíbe de conceder,
direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou
entidade que não seja instituição financeira. Dispõe, ademais, que os saldos de
caixa da União serão depositados no BACEN.
41. Ora, o
Tesouro, que deveria ser o emissor da moeda e financiar parte dos investimentos
públicos desse modo, não pode fazê-lo. Portanto, a Constituição força o Tesouro
a endividar-se, emitindo títulos públicos. Com isso assegura lucros absurdos
aos bancos privados, os quais recebem recursos do BACEN, a baixo custo, e os
aplicam em títulos do Tesouro, que pagam juros elevadíssimos.
42.
Esses juros são fixados pelo COPOM (Comitê de Política Monetária), controlado
pelo BACEN, um feudo dos bancos privados. Essa é mais uma fonte de
enriquecimento sem causa, como a decorrente do privilégio de criar dinheiro do
nada, fazendo empréstimos em múltiplo dos depósitos.
43. Banco
é uma concessão que o Estado só deveria dar à mãe dele, a sociedade: é uma
concessão que só tem sentido se for estatal e exercer suas funções em prol da
sociedade. No Brasil esta não poderia estar sendo mais traída, pois aqui são
praticadas taxas de juros altíssimas sem qualquer razão, afora a mistificação.
44.
Chegou-se a taxas básicas para títulos públicos acima de 40%, inclusive após o
Plano Real, falsamente apresentado como saneador da inflação. E, de resto, para
reduzir a inflação faz mais sentido baixar que elevar as taxas de juros.
45. A taxa
de 2% aa. capitalizada mensalmente por 30 anos não faz dobrar um saldo devedor.
A de 15% faz que o saldo seja multiplicado por 66,3.
46. O
Brasil já estava subjugado em 1988, e depois o opróbrio intensificou-se a
cada eleição. Veio a liquidação de estatais estratégicas; a lei da
desestatização; os planos “antiinflacionários”, repressores da economia
produtiva; dezenas de emendas constitucionais contrárias ao País, como a que
acabou com qualquer possibilidade de distinção entre empresa de capital
nacional e empresa de capital estrangeiro.
47. Mais:
as infinitamente danosas privatizações; abertura das importações, sem
contrapartida; isenção de impostos e contribuições à exportação de produtos
primários; adoção do estatuto da OMC e da lei de propriedade industrial,
que afunda o País no apartheid tecnológico; lei 9.478/1997: entrega do
petróleo às transnacionais; lei de “responsabilidade” fiscal: prioridade
absoluta aos gastos com a dívida pública; demissão do Estado com a
criação das agências e as concessões; parcerias público-privadas: o Estado dá
dinheiro, financia e garante lucro sem risco aos concentradores privados;
intensificação dos subsídios e privilégios aos “investimentos” diretos
estrangeiros.
48. Em
resumo, aumenta-se a dose das políticas de desnacionalização da economia,
causadoras originárias da dívida pública. A desnacionalização gera mais dívida,
e esta aprofunda o rombo.
49.
Fixam-se taxas de juros altíssimas sobre o montante enorme dessa dívida. Desse
modo, mesmo sugando os contribuintes, com tributos, o Estado não consegue
receitas suficientes para pagar a conta dos juros.
50. Isso
demonstra que essas taxas não têm outro sentido senão acarretar o crescimento
sustentado da dívida, por meio da capitalização de juros. Desnecessário
reiterar o quanto tais políticas são destrutivas.
51. Além
de escorchada pela carga tributária, a sociedade o é adicionalmente pelos
preços dos produtos fornecidos por oligopólios e carteis transnacionais.
52. Ela
sofre, pois, de múltiplos ataques que corroem a renda disponível dos cidadãos:
1) os preços abusivos dos produtos que se usa ou consome; 2) impostos e
contribuições fiscais acima da capacidade contributiva; 3) crescente
insuficiência dos investimentos públicos, decorrente de quase metade das
despesas serem torradas com o improdutivo serviço da dívida, bem como de
desonerações fiscais e subsídios em favor do sistema financeiro e dos
concentradores em geral.
53.
Desgastam ainda mais a renda social e a qualidade de vida das pessoas: 1)
a lastimável condição das infra-estruturas, especialmente a de transportes e a
de energia; 2) a baixa e decadente qualidade da educação e da saúde, inclusive
saneamento e prevenção; 3) a carência de empregos, inclusive dos de
produtividade elevada e bem remunerados.
* - Adriano
Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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